“A história da educação superior no Brasil é muito recente. Nossa primeira Universidade, a Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde denominada de Universidade do Brasil, foi criada em 1920. A Universidade de São Paulo, que representa um divisor de águas na história do sistema brasileiro de educação superior do Brasil, foi criada em 1934.
A Universidade Federal de Santa Catarina foi criada em 18 de dezembro de 1960, integrando as seis faculdades que já operavam em Florianópolis. Por insistência do então diretor da Faculdade de Direito, o Professor João David Ferreira Lima, no ato de criação da UFSC o diretor de ensino superior do MEC, Jurandir Lodi, ao lado da nominata das seis faculdades existentes, anotou que também deveria ser criada uma escola de Engenharia Industrial e profetizou:
“Ferreira, quero que vocês façam uma grande escola, e que sua fama corra de tal forma que, quando um pai no Amazonas disser que seu filho vai estudar engenharia, as circunstâncias aconselhem: mande-o para Florianópolis que lá está a melhor”. E assim foi feita a história.
Ferreira Lima foi escolhido e nomeado o primeiro reitor da UFSC em outubro de 1961, e para tirar do papel a criação de uma Escola de Engenharia em Florianópolis de pronto firmou um convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (na época Universidade do Rio Grande do Sul) e já em 1962 foi implantado o curso de engenharia mecânica, modalidade escolhida como prioritária pelas indústrias do estado.
Professores da UFRGS foram selecionados para exercer a regência de algumas disciplinas e se deslocavam quinzenalmente de avião e aqui permaneciam por dois ou três dias. Ministravam aulas e orientavam instrutores locais que futuramente iriam substituí-los.
Neste contexto, o jovem professor Caspar Erich Stemmer, que ministrava a disciplina “Construção de Máquinas” na última série do curso de engenharia mecânica da UFRGS passou a vir a Florianópolis a partir de 1964 na qualidade de professor regente, responsável pela implantação da disciplina de Vibrações Mecânicas e tendo como instrutor o José João de Espíndola, hoje o decano do Departamento de Engenharia Mecânica.
O Professor Stemmer na época tinha 34 anos e tentava implantar na UFRGS novas práticas de ensino de engenharia, muitas das quais vivenciou durante o período de 1957 a 1958 em que esteve na Escola Técnica Superior de Aachen, Alemanha.
Suas idéias inovadoras e revolucionárias para a época tiveram dificuldades para serem aceitas no já estabelecido curso de engenharia mecânica da UFRGS, cuja escola de engenharia havia sido criada em 1896. O convite para vir a Florianópolis foi assim um presente para o Prof. Stemmer, que pode aqui introduzir uma série de medidas que viriam a ser adotadas como regras em muitas outras universidades.
Em pouco tempo o Prof. Stemmer se tornou Diretor da Escola de Engenharia Industrial da UFSC. Uma de suas primeiras providências foi dar condições para que os professores permanecessem na universidade para além do período das aulas. Era preciso que cada professor pudesse se dedicar aos alunos, e capacitar os laboratórios para a prática do ensino. Introduziu assim o regime de dedicação exclusiva.
Não podia haver, no entanto, pacto com a mediocridade. Por isto o Prof. Stemmer implantou um regime probatório rígido e que exigia, inclusive, a aprovação em uma prova de recondução que incluía conhecimentos técnicos e didáticos.
Lamentavelmente, a Reforma Universitária acabou com este salutar instituto em 1970 e mesmo sua introdução vários anos depois, não pôde ser realizada de forma efetiva, principalmente pelos interesses corporativos hoje existentes nas nossas instituições.
Dentre outras idéias e contribuições introduzidas pelo Prof. Stemmer para o ensino de engenharia em Florianópolis incluem: estágios obrigatórios curriculares para todos os alunos – iniciativa mais modesta do pensamento original do Prof. Stemmer que propunha que o aluno deveria passar um semestre na escola e outro na industria.
Tal prática só veio a ser implantada na UFSC em 2000, no curso de graduação em engenharia de materiais; estabelecimento de parcerias com empresas; convênios internacionais que possibilitaram a capacitação de laboratórios e bibliotecas; estímulos diversos ao aperfeiçoamento cultural dos alunos; criação da Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina, a primeira fundação universitária da UFSC e que viabilizou os repasses de recursos de diversas fontes destinados à implantação do curso de Engenharia Elétrica; descentralização do vestibular em várias cidades do estado para os cursos de engenharia.
Com a unificação do vestibular em 1970, o vestibular se tornou novamente centralizado, voltando a se realizar de forma descentralizada durante o período do Prof. Stemmer como reitor. Convém observar que o vestibular único, tal como o conhecemos hoje, e que é praticado por todas as universidades brasileiras, representa uma criação da UFSC; treinamento e qualificação dos docentes.
Em meados de 1968 a Escola de engenharia já contava com cinco docentes que possuíam o título de mestre. Era hora de começar a pensar em um mestrado e o Prof. Stemmer instituiu uma comissão para elaborar o projeto de um mestrado em engenharia mecânica. É importante lembrar que a primeira instituição brasileira a conceder um título de mestre foi a Universidade Federal de Viçosa em 1961, na área de zootecnia.
O primeiro mestre em engenharia no Brasil veio do ITA em 1963. A PUC-RJ e a Coppe formaram mestres em engenharia a partir de 1964, e a USP a partir de 1969, ano em que foi iniciado o mestrado de engenharia mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. Este mestrado foi viabilizado através de um projeto do Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico, Funtec, na época chefiado por José Pelúcio Ferreira. Era o primeiro projeto aprovado a sair do triângulo Rio-Minas-São Paulo.
Com a formação dos primeiros mestres em engenharia mecânica, era preciso expô-los à comunidade brasileira e então o Prof. Stemmer organizou durante o ano de 1971, em Florianópolis, o Simpósio Nacional de Engenharia Mecânica. Este evento se tornou bienal, sendo o segundo promovido pela Coppe.
Presentemente estamos na 19a edição deste encontro que hoje se denomina Congresso Internacional de Engenharia Mecânica. Fruto destes primeiros eventos fundou-se em 1975 a Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas, cujo primeiro presidente foi o Professor Luis Bevilacqua, um dos conferencistas do Simpósio de Florianópolis.
De 1974 a 1976 o Prof. Stemmer assumiu a Coordenação do Programa de Expansão e Melhoramento das Instalações do Ensino Superior do Ministério da Educação, conhecido como Premesu, e que viria a se tornar um dos mais importantes programas do MEC para o ensino superior. Este programa assegurou, por exemplo, a duplicação da área construída das universidades federais.
De 1976 a 1980 o Prof. Stemmer foi reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, administrando a instituição de forma marcante. Durante sua gestão a participação dos docentes em regime de tempo integral cresceu de 37,8% para 67%. Grande ênfase foi colocada na qualificação dos docentes a ponto de termos 28,7 % dos mesmos em treinamento em 1979.
Também durante a gestão Stemmer diversos cursos foram criados, dentre os quais arquitetura, computação, psicologia, jornalismo, nutrição, engenharia sanitária, engenharia de alimentos, engenharia química, engenharia de produção, e diversos bacharelados. Também foi na gestão de Stemmer que foi criado o primeiro curso de doutorado da UFSC, este em engenharia mecânica.
Após seu mandato de reitor o Prof. Stemmer retornou ao Departamento de Engenharia Mecânica e seguiu contribuindo com seus pares e alunos, vindo a ser, inclusive, novamente Chefe do Departamento. Seu nome, no entanto já era muito conhecido em nível nacional e extrapolava as fronteiras da UFSC. Mesmo servindo ao Departamento até o momento de sua aposentadoria, o Prof. Stemmer foi diversas vezes convidado a assumir outros postos.
Pela sua experiência e liderança o Prof. Stemmer ocupou, dentre outras funções e cargos, o de assessor especial da Secretaria de Transportes e Obras do Estado de Santa Catarina, Diretor Industrial da Weg Automação, Secretário Executivo do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Padct, e Secretário Executivo do MCT. Sua passagem por todas estas funções foi igualmente marcante.
Em 1998 o Prof. Stemmer se aposentou da UFSC, embora siga sempre encorajando e estimulando a todos com seus conselhos e palavras de incentivo. Em 1999 o Conselho Universitário outorgou ao Prof. Stemmer o merecido título de Professor Emérito desta universidade. Este reconhecimento se juntou a outros tantos que o Prof. Stemmer recebeu, dentre os quais os graus de Comendador e de Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.
Feliz da instituição que tem exemplos como o do Prof. Stemmer. Como dizia o Professor Newton Sucupira, “aqueles que falam da decadência do ensino superior ou não têm memória, porque são velhos, ou não conhecem a história, porque são moços”. São acadêmicos como o Professor Stemmer que através dos seus esforços e dedicação, têm sabido tão bem construir a universidade brasileira.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se sente honrada de homenagear aqui o Professor Caspar Erich Stemmer e reconhece, nesta reunião onde a tecnologia recebe destacado enfoque, a grande contribuição do professor para a engenharia e a ciência nacionais.
Estendemos nossos cumprimentos para a Professora Helena Stemmer, devota esposa e competente engenheira e professora. Também aos filhos, Gaspar, Marcelo e Miriam. Parabéns Professor Stemmer, receba o muito obrigado de todos nós!”
Álvaro Toubes Prata
Professor Titular do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina e Secretário do Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia